por Larissa Purvinni, mãe de Carol, Duda e Babi, com reportagem de Cíntia Marcucci, filha de Mariza e Emiliano, Paula Montefusco, filha de Regina e Antonio, e Sofia Benini, filha de Maria Paula e Nery
MAIS DE 70% DAS BRASILEIRAS QUEREM FAZER PARTO NORMAL, MAS SÓ 10% CONSEGUEM. FOMOS INVESTIGAR OS PRINCIPAIS MOTIVOS QUE LEVAM A ESSE DESCOMPASSO
Amaioria das brasileiras (70%) gostaria de tentar o parto normal, mas muito poucas (10%) conseguem. O dado vem de pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública com colaboração do Instituto Fernandes Figueira, da Fiocruz, e da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Nosso país é campeão em partos cirúrgicos, com índices que atingem 43% do total de nascimentos e chegam a 80% nos hospitais particulares. Em certas maternidades, a taxa ultrapassa 98%, quando a Organização Mundial da Saúde recomenda que não passe de 15% dos partos. As razões esbarram em questões culturais e na realidade do nosso sistema de saúde. As mulheres também levam parte da culpa, segundo os médicos. “A mulher latina suporta mal a dor, a encara como sofrimento, não como algo que depois a leva a uma grande realização pessoal”, aponta o ginecologista e obstetra Carlos Czeresnia, pai de Débora, Liora, Diana, Jonathan e Ricardo. O obstetra Jorge Kuhn, pai de Renata, Clara e Otávio, concorda: “Muitas mulheres esperam um parto utópico: rápido e sem dor”.
Parto no convênio
O outro lado da questão envolve o sistema de saúde brasileiro, em especial os convênios médicos. “Um parto normal pode demorar de 8 a 12 horas e ocorrer a qualquer momento. O médico faz as contas e conclui que é mais econômico programar a cesárea”, avalia Czeresnia. Por outro lado, o obstetra Jorge Hodick-Lenson, pai de Íris e Rebeca e avô de Sofia, que vieram ao mundo pelas suas mãos, afirma que, mesmo para médicos particulares, pagos diretamente pela paciente, sem depender da tabela dos planos de saúde, a incidência de cesáreas é alta – cerca de 80%. “A cliente está pagando pelo tempo necessário para o médico ficar com ela durante o trabalho de parto e, ainda assim, ele faz a cirurgia sem indicação efetiva, já que não existem 80% de indicações médicas para cesariana. Isso poderia ser considerado uma verdadeira epidemia de patologias obstétricas”. Ou seja: seria como dizer que as brasileiras têm algum defeito de fábrica: não entram em trabalho de parto, não têm dilatação e por aí vai...
O obstetra vai além: “Há alguns anos eu fiz uma pesquisa com 2.000 mulheres, fiz duas perguntas durante a execução de exames de ultrassonografia de rotina ginecológica. A primeira foi: ‘Seu parto ou partos foram normais ou cesarianas?’. Quase que 80% responderam que foram cesarianas. A segunda pergunta foi: ‘Por que foi cesariana?’. Quase 80% responderam quase com as mesmas palavras: ‘Não tive dilatação’. Ou seja, dá a impressão de que a mulher brasileira tem um ‘defeito’ no colo do útero – que dilata em todas as mulheres do mundo, menos nela. Isso denota uma falsa informação e indicação quanto aos motivos da cesariana”. Traduzindo: os médicos indicam o parto cirúrgico sem real necessidade e minimizam os riscos.
Cesárea segura?
Muitos profissionais insistem que, no caso do Brasil, a cesárea é tão segura quanto o parto normal, quando estudos mostram risco de morte quase 11 vezes maior em comparação às que fizeram parto vaginal. Há casos em que o doutor chega a dizer que não há diferença entre os dois tipos de parto, ambos têm vantagens e desvantagens, quando a evidência científica é a de que o parto normal é o melhor para mãe e bebê. Bebês nascidos por meio de cesárea têm risco quase 5 vezes maior de precisar ficar na UTI ou na semi-intensiva. Para os nascidos a termo, o risco de desenvolver desconforto respiratório é 7 vezes maior nos nascidos de cesáreas programadas do que nos nascidos de parto normal, porque o trabalho de parto serve para terminar o amadurecimento do bebê, principalmente dos sistemas respiratório, imunológico e nervoso. Muito disso ocorre por outro fator cultural, que é a confiança quase cega nos médicos, que faz muitas mulheres só se basearem no que seu obstetra lhes diz. Quando perguntamos sobre como convencer a mulher de que o parto normal deve ser a primeira opção, o dr. Kuhn, pai de Renata, Clara e Otávio, aponta que esse não é o caminho para reverter o alto número de cesáreas. “A palavra não é convencimento. A mulher precisa se informar adequadamente. Mas aí vem a comodidade tanto dela quanto do médico. Para o Ministério da Saúde é interessante investir no parto normal, pois, além de ser o melhor para o bebê e para a mulher, é mais barato e não apresenta os riscos de uma cirurgia. Os médicos não explicam sobre possíveis hemorragias e infecções, pois não é conveniente”. Ou seja: muitos médicos, no mínimo, omitem informações importantes.
O papel do acompanhante
Uma das investidas do Ministério é implementar a Lei do Acompanhante, que prevê a entrada de um acompanhante da escolha da mulher na sala de parto – sem custo adicional. “A mulher tem de confiar em si mesma e em quem está com ela. E se sentir acolhida no ambiente para ter a tranquilidade de esperar o curso natural do parto”, comenta Daphne Rattner, filha de Henrique e Miriam, especializada na área técnica da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde. Desde o ano passado, quem tem convênio médico tem direito a uma enfermeira obstetra e a uma acompanhante de parto. A meta do governo é reduzir de 80% para 60%, até 2011, o percentual de cesarianas em partos cobertos por planos e seguros de saúde. Na rede pública, em que o percentual já é menor, a meta é reduzir de 30% para 25%. No entanto, neste ano, dados divulgados pelo Ministério da Saúde mostraram um novo aumento da taxa de cesarianas: em 2008, 84,5% dos partos cobertos por planos de saúde foram cesarianas; em 2004, a taxa era de 79%. Claro que a culpa não é só do médico. Muitas vezes, a própria paciente demonstra em suas atitudes, mesmo que diga que quer o parto normal, que não está realmente disposta a passar por tudo que ele implica. O que vale a pena, sempre, é ir atrás de informações e buscar, o mais cedo possível, um médico que esteja de acordo com a sua ideia de como deve ser o parto do seu filho. Conversamos com mulheres que queriam muito ter feito parto normal, mas acabaram fazendo o que, desconfiam, foi uma “desnecesárea” – e identificamos alguns dos principais motivos que levam a esse desencontro.
Quatro problemas, quatro soluções
MÃES QUE QUERIAM QUE SEUS FILHOS NASCESSEM POR PARTO NORMAL CONTAM AS DIFICULDADES QUE ELAS ENFRENTARAM. A GENTE TE AJUDA A ENTENDER CADA CASO - E COMO RESOLVÊ-LO, SE FOR POSSÍVEL
1. A escolha errada do médico
"Confiei na minha médica, que me disse que a prioridade era sempre o parto normal. Em quem mais eu confiaria? Com 39 semanas, ela me fez um exame de toque e disse que não havia nada de dilatação. Como eu havia passado por uma cirurgia para a retirada de um suposto tecido cancerígeno do útero (diagnóstico nunca confirmado), bastou. Ela me disse: “Se com 39 semanas você não tem nem sinal de dilatação é porque seu útero é enrijecido. Vamos marcar a cesárea, porque você nunca vai ter dilatação”. Eu me lembro de sair aos prantos do consultório. Após a cirurgia ela me disse: “Querida, você realmente não teria um parto normal, pois, além de não dilatar, seu bebê não estava encaixado”. Na hora, ainda anestesiada, nem percebi o absurdo dessa declaração."
Renata Suarez, mãe de Pedro e Léo
O PROBLEMA. Muitos planos de saúde pagam entre R$ 300 e R$ 500 pelo acompanhamento de um parto e poucos médicos se dispõem a trabalhar mais de dez horas por essa quantia. Alguns, para não perder a paciente, dizem que só na hora do parto é possível saber como proceder. Há bons médicos, que não exporiam mãe ou bebê aos riscos de uma cirurgia desnecessária. Mas não é tão fácil encontrá-los.
A SOLUÇÃO. Peça indicações a grupos de apoio ao parto normal, como o Amigas do Parto (www.amigasdoparto.com.br). Outra maneira é selecionar médicos do convênio e ligar para o consultório perguntando: “Você sabe dizer se ele faz mais partos normais ou cesáreas?”. Se a resposta for que ele faz cesárea de vez em quando, mas a maior parte é de partos normais, é uma boa pista. Converse com as pacientes na sala de espera; se a maioria fez cesárea, é mau sinal. Outra opção é ligar para a maternidade e pedir para falar com a enfermeira obstetra. Ela poderá indicar médicos adeptos do parto normal.
2 Dificuldade de lidar com a dor
"Desde que soube que estava grávida, tinha vontade que meu filho nascesse por parto normal. O dia do nascimento chegou e, depois de doze horas de trabalho de parto, a dor estava insuportável. Quis anestesia, o que me trouxe alívio da dor, mas atrapalhou na progressão das contrações. Continuei tentando por mais um tempo, mas, com quase 24h de trabalho de parto, estava exausta, no meu limite e acabei optando pela cesárea. Hoje, Flávia está com 8 meses; mas, se engravidar de um segundo filho, quero tentar dar à luz por parto normal".
Eliane Midori Tanaka, mãe de Flávia
O PROBLEMA. A percepção da dor varia muito de mulher para mulher. Algumas as descrevem como cólicas menstruais intensas, mas suportáveis; outras a consideram intolerável. É importante que a mulher esteja preparada para sentir alguma dor. O fato de ficar imobilizada na cama de parto atrapalha também. A anestesia barra a sensação dolorosa, mas pode diminuir a intensidade das contrações e a progressão da dilatação, aumentando o risco de cesárea. Por isso, ela é dada com o trabalho de parto bem avançado.
A SOLUÇÃO. Contar com um acompanhante de sua confiança ajuda a tolerar a dor. A presença de uma doula (profissional que acompanha o parto) é associada a menor necessidade de anestesia e de cesarianas. O corpo tem anestésicos naturais, as endorfinas, cuja produção é incentivada por um ambiente tranquilo e bloqueada pela presença de estranhos e pelo medo. Estudos mostram que o principal fator que faz a mulher não precisar de anestesia é ela acreditar que não precisa. A liberdade de posição ajuda: poder mudar de lado, caminhar, ter alguém que faça uma massagem, ficar naquela bola tipo Pilates ou na banheira de hidromassagem facilita controlar a sensação de dor.
3 Bebê "grande demais", com mais de 3,5 kg
"Chegando perto da 41ª semana, fiz o cardiotoco (exame que avalia o bem-estar fetal) e um ultrassom e, então, fui ao consultório. Estava com 1 cm de dilatação, mas, ao ver o ultrassom, a médica decretou: “Seu bebê está muito grande, com 3,980 kg e só faço partos normais em bebês até 3,5 kg”. Perdi o chão. Não tinha lido nada sobre até quantos quilos um parto normal não seria arriscado. Eu pedia calma, que precisava pensar, e ela disse: “Priscila, eu te disse que a apoiaria em um parto normal, desde que não oferecesse risco para você ou para a bebê. Nem mesmo pelo SUS fariam um parto normal com um bebê tão grande, pode quebrar algum ossinho e ela pode ter um problema para o resto da vida. É isso que você quer? Tente a sorte com um plantonista do hospital, talvez algum louco aceite.” Sem respostas, ela marcou minha cesárea. Recebi um documento dizendo: bebê macrossômico. A Lívia nasceu no mesmo dia, "salva por uma cesárea".
Priscila Moraes, mãe de Lívia
O PROBLEMA. Um bebê é considerado macrossômico (muito grande e pesado) acima de 3,7 kg, mas, ainda assim, é possível fazer o parto vaginal. A questão do feto macrossômico deve ser vista sempre em conjunto com o fator materno. Existem gestantes que conseguem dar à luz crianças grandes, porque têm uma boa bacia, o canal de parto. Há gestantes que, mesmo com bebês de peso normal (em tormo de 3 kg) não conseguem, por ter bacia estreita.
A SOLUÇÃO. É preciso se informar sobre se o médico apoia o parto normal e tem experiência em realizá-lo. Muitos profissionais sentem-se inseguros em fazer um parto normal por desconhecimento. Também existe o medo de processos. É mais fácil um médico ser processado por não fazer uma cesárea do que por tê-la feito desnecessariamente.
4. A gravidez ultrapassou o tempo previsto
"Deixei claro para o meu médico que queria um parto normal sem anestesia. Com 39 semanas, ele me examinou e disse que minha filha já estava encaixada e que o parto seria, muito provavelmente, naquele final de semana, mas não rolou. Ele tinha me dito que, se eu chegasse às 41 semanas, seria internada. Três dias antes disso, fui ao consultório e não tinha dilatação. Ele me disse que a cabeça estava muito alta e ele achava que ela não iria descer, porque meu quadril era muito estreito e informou que, para ele, o tempo de espera tinha acabado. Perguntei se não iria tentar induzir e ele disse que não, pois em seus 30 anos de experiência isso não adiantaria e ele não saberia se havia mecônio ou se iria causar sofrimento no bebê. Acabei fazendo cesárea. Soube, depois, que não havia mecônio, mas na hora fiquei em dúvida. Não acho que o meu médico me enganou, mas chegou ao limite de sua crença médica e achou mais prudente fazer a cesárea".
Elenira Peixoto, mãe de Dora
O PROBLEMA. A gestação humana normal vai de 37 a 42 semanas. Para que seja considerada passada da data provável (pós-data), precisa exceder 42 semanas ou 294 dias a partir do primeiro dia da última menstruação. Nem toda mulher dá à luz na chamada data provável de parto: 58% têm o bebê até o final da 40ª semana. Há a possibilidade de o “atraso” se dever à inexatidão do cálculo. Numa cesárea marcada antes que a mãe entre em trabalho de parto, há risco de o bebê nascer prematuro.
A SOLUÇÃO. É possível fazer exames para acompanhar o bem-estar do feto e a situação da placenta, que pode deixar de realizar a função respiratória e de propiciar os nutrientes essenciais de que o bebê necessita quando a gestação se estende muito. Se tudo estiver bem, ainda é possível tentar induzir o parto.
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